As transações tributárias firmadas entre contribuintes e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já ultrapassam a marca de 1 milhão de operações.
De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Insper, até 1º de julho de 2022, incluídos os descontos, foram transacionados R$ 184,3 bilhões em débitos, gerando uma arrecadação de R$ 14,5 bilhões.
Os números constam no 4º relatório do Observatório de Transações Tributárias, projeto de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper. De acordo com o documento, que será divulgado nesta quarta-feira (5), apenas em relação às transações individuais houve aumento de 435% em relação ao último relatório, que compreendeu o período entre dezembro de 2019 e junho de 2021.
Para os pesquisadores do grupo, os números mostram que a transação está sedimentada no Brasil e que os contribuintes confiam no modelo. “Me parece que a transação convenceu que é um instituto muito melhor do que aqueles parcelamentos excepcionais”, diz o pesquisador do Insper, Leonardo Alvim.
Já o também pesquisador do instituto, Frederico Bastos, destaca que a PGFN tem estado aberta a dialogar com os contribuintes, participando, por exemplo, de eventos voltados a debater a transação no Brasil.
“Se olharmos desde o primeiro relatório vemos uma caminhada mais tímida do contribuinte, agora tomando confiança. Isso mostra que esse esforço da cultura, da aproximação e do diálogo está tomando tração à medida em que os contribuintes passam a conhecer e ter a possibilidade de negociar com o fisco”, destaca.
O levantamento mostra que a modalidade de transação responsável pelo maior número de adesões foi a extraordinária. Até 1º de julho foram 548,6 mil transações pactuadas, gerando uma arrecadação de R$ 3,8 bilhões.
A transação extraordinária, que está aberta até 31 de outubro, prevê o pagamento de uma entrada de 1% do valor total dos débitos inscritos, em até três vezes. O restante pode ser parcelado em até 117 vezes por pessoas jurídicas e em até 142 vezes por pessoas físicas, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, santas casas, cooperativas e demais organizações da sociedade civil.
Já a transação excepcional, apesar de ter registrado 309,7 mil adesões até 1º de julho, foi responsável pela maior arrecadação entre as modalidades: R$ 7,4 bilhões.
A transação excepcional, também aberta até 31 de outubro, prevê o pagamento de uma entrada de 4% do total, em até 12 meses. O restante pode ser parcelado em até 108 vezes por pessoas jurídicas e 133 vezes por pessoas físicas e demais instituições.
Essa modalidade permite a inclusão de dívidas de até R$ 150 milhões e prevê descontos de até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, a depender da capacidade de pagamento do contribuinte.
Para os pesquisadores do Insper, a transação extraordinária atraiu a atenção dos contribuintes principalmente pelos descontos oferecidos.
“Na época [da abertura] a transação individual só era autorizada para contribuintes que tinham dívidas maiores de R$ 15 milhões, que não são a grande maioria. E apesar de essa transação ter suas benesses, ela também exige garantias e outras contrapartidas. A excepcional não, ela é uma forma de adesão, se verifica se os benefícios e condições são convidativos, e se contribuinte tem interesse pode aderir”, afirma Frederico Bastos.
As transações do contencioso, por outro lado, apresentaram baixa adesão. Esse tipo de transação permite que contribuintes com processos sobre temas específicos parcelem seus débitos.
A PGFN já abriu duas transações do contencioso. A primeira delas abrangeu débitos relacionados a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), e de acordo com o estudo do Insper teve 15 adesões, gerando uma arrecadação de R$ 240,5 milhões.
O segundo tema alvo da transação do contencioso foi a amortização de ágio. O levantamento do Insper, entretanto, não abrangeu essa modalidade, já que a transação ficou aberta até 29 de julho. Fontes próximas ao tema, porém, acreditam que adesão à modalidade foi inferior à adesão da PLR.
Para os pesquisadores, os números podem ser explicados, entre outros motivos, pela abrangência das teses escolhidas para as transações.
“Essas duas teses [PLR e ágio] naturalmente têm um espectro limitado de contribuintes que são alcançados, são teses que só envolve empresas no Lucro Real, então são empresas muito grandes. Naturalmente não vai ser um número comparável ao da transação excepcional, porque lá dentro você tem empresas do Simples, pessoas físicas, empresas no Lucro Presumido”, diz o pesquisador do Insper, Daniel Zugman.
Leonardo Alvim salienta ainda que a transação do ágio foi pensada antes da instituição do desempate pró-contribuinte no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quando a maioria dos temas controvertidos eram resolvidos com a aplicação do voto de qualidade.
O instituto permite que em caso de empate o voto do presidente do colegiado, que representa o fisco, tenha peso duplo.
“Me parece que a transação de contencioso tinha uma ideia de que, quando houvesse disputa dividida no âmbito do Carf seria oferecida uma transação de contencioso”, afirma o pesquisador.
O desempate pró-contribuinte e a alteração de composição no Carf reverteram posicionamentos antes majoritariamente favoráveis ao fisco. A possibilidade de amortização de ágio é um destes temas, e os contribuintes têm saído vitoriosos em processos envolvendo o uso de empresa-veículo e o aproveitamento de ágio interno.
A abertura de novas transações do contencioso é tema que sempre desperta o interesse entre os contribuintes. Segundo Manoel Tavares, coordenador-Geral da Representação Judicial da PGFN, porém, apesar de a procuradoria ter estudos jurimétricos relacionados a pelo menos cinco temas, os próximos editais estão em compasso de espera.
“Estamos na fase da instituição de consolidação das mudanças legislativas, estamos muito focados em ter essa nova regulamentação da transação na cobrança, acompanhar a regulamentação com créditos na Receita Federal e a partir disso avaliar a pertinência de novos editais da transação do contencioso no formato atual”, afirma.
O procurador se refere às alterações promovidas pela Lei 14.375/2022 ao instituto da transação. Entre outros pontos a norma aumentou os limites máximos de desconto e de prazo para pagamento, possibilitou a transação de débitos em contencioso administrativo fiscal ainda não inscritos em dívida ativa e permitiu o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL para quitação de débitos.
Outro número que aumentou em relação ao relatório anterior foi o de ações judiciais relacionadas à transação. Os pesquisadores do Insper encontraram 356 decisões na Justiça Federal e nos tribunais superiores sobre o tema, frente a 17 no levantamento anterior.
A maioria – 300 decisões – envolvem contribuintes que buscaram a Justiça para compelir a Receita Federal a inscrever débitos em dívida ativa, possibilitando, assim, a transação com a PGFN. São situações em que o contribuinte perdeu a discussão na esfera administrativa, mas não teve seu débito inscrito em dívida ativa, o que o impede de transacionar com a PGFN.
Segundo o levantamento do Insper, os contribuintes foram vitoriosos em 63,67% desses processos, nos quais determinou-se a inscrição em dívida. Em 33,67% dos casos, por outro lado, a Justiça indeferiu o pedido, geralmente sob fundamento de que o Judiciário não pode se intrometer em atividades rotineiras do Executivo.
Para os pesquisadores, o próximo passo envolvendo a transação tributária é analisar as fórmulas utilizadas pelos entes para a concessão de descontos, evitando situações que prejudiquem ou beneficiem demasiadamente os contribuintes.
“O que estamos propondo neste relatório é dar um passo adiante. Na hora que eu identifico que tenho que dar desconto só para quem tem necessidade e na exata capacidade de pagamento, temos que voltar o olhar para a fórmula que mensura essa capacidade de pagamento”, afirma Alvim.
O relatório apresentado pelos pesquisadores destaca que a dosimetria errada na hora de conceder o desconto pode fazer com que uma empresa com pouca capacidade de pagamento não consiga arcar com os termos da transação.
Por outro lado, superdimensionar o desconto pode fazer com que uma companhia seja beneficiada demasiadamente com a transação tributária, com consequências de ordem concorrencial.
O documento também salienta que a concessão de descontos sem critérios pode gerar uma nova guerra fiscal entre estados e municípios.
“Não se pode desprezar, ainda, a possibilidade de entes subnacionais intencionalmente subdimensionarem a capacidade de pagamento de seus contribuintes, provocando uma guerra fiscal velada”, consta na publicação.
Com informações do Jota
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